Tudo é serviço!

Você já ouviu/leu essa frase? De onde veio essa ideia? Será que podemos mesmo afirmar que tudo é serviço? Essa é a proposta da Lógica Dominante do Serviço, que defende que o serviço é a base das trocas das organizações, dos mercados e da sociedade.

Design para Estratégia - DparaE

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Neste texto abordaremos o que é a Lógica Dominante do Serviço, sua perspectiva histórica e exemplos de aplicação. Também relacionaremos esse conceito com o Design de Serviço e com a filosofia de Customer Success. Quer saber? Vem com a gente!

Lógica Dominante do Serviço é uma tradução do termo em inglês Service Dominant Logic,também conhecido como SD-logic, ou ainda SDL. O termo foi defendido por Stephen Vargo e Robert Lusch em um artigo publicado em 2004, com mais de dez mil citações acadêmicas, propondo uma nova lógica para o Marketing.

O termo SDL foi defendido pela primeira vez por Stephen Vargo e Robert Lusch em um artigo publicado em 2004.

Essa lógica postula que o serviço é a base das trocas. A sua proposta é que as organizações, os mercados e a sociedade estão fundamentalmente preocupados com a troca de serviços, que envolvem as aplicações de competências (conhecimentos e habilidades) para o benefício de uma parte.

Significa dizer que o serviço é trocado por serviço, todas as empresas são empresas de serviço, todas as economias e todas as sociedades são baseadas em serviço.

Ok, sei que é difícil aceitar essa ideia numa primeira leitura, especialmente se você nunca teve contato. Mas vamos lá…

Stephen Vargo e Robert Lusch estavam discutindo o impacto desse novo mindset no marketing, que tem sido, ainda, muito centrado em produto. Como todo serviço é coproduzido com os clientes, muda-se por completo a lógica de relacionamento entre fornecedores/prestadores e compradores/clientes/usuários – não vamos mais fazer para, mas vamos fazer com.

Como todo serviço é coproduzido com os clientes, muda-se por completo a lógica de relacionamento entre fornecedores/prestadores e compradores/clientes/usuários.

Não é somente o foco, mas a forma de interação entre empresas e clientes que passa a ser mais dinâmica e customizada: a visão do marketing centrada no serviço é centrada no cliente e orientada ao mercado.

A cocriação passa a ser a forma como o valor é definido nessa nova lógica, de maneira que as empresas bem sucedidas mudaram suas estratégicas do “fazer e vender” para o “sentir e responder” (repare que começamos a falar de sentimentos e de cocriação!).

Essa abordagem defende o pensamento em ciclos de aprendizagem a partir do entendimento do cliente e constante validação do valor proposto e entregue por meio do serviço. Essa é a base da melhoria contínua não apenas dos processos internos, mas da experiência do cliente (ou usuário) quando utilizando produtos e serviços.

A abordagem da Lógica Dominante do Serviço defende que existam ciclos de aprendizagem para que se possa entender e aprimorar o valor entregue por meio do serviço.

Toda a cadeia de partes interessadas de um negócio torna-se mais significativa pela Lógica Dominante do Serviço. Não é apenas uma questão de fornecer – de por ao alcance de, proporcionar – , mas de servir – no sentido de trabalhar em favor de.

Vamos analisar essa visão de uma perspectiva histórica…

Evoluímos ao longo dos anos de uma perspectiva focada em produtos – a Lógica Dominante do Produto (GD-logic, ou Goods Dominant Logic), que estava embasada nas qualidades tangíveis dos produtos.

A visão muda na perspectiva do SD-Logic, que valoriza questões intangíveis. A criação de valor não está mais no produto em si, tampouco é ditada pelo produtor do bem, mas se dá com a participação do usuário, que inclusive pode utilizar um produto para um fim diferente do intencionado por quem o produziu – muito na linha da conhecida frase “a beleza está nos olhos de quem vê”.

Linha do tempo da SDL

O site sdlogic.net apresenta uma perspectiva histórica da Lógica Dominante do Serviço, que trazemos sintetizada na figura abaixo:

Recursos operados X recursos operantes

Vargo e Lusch diferenciam esses dois tipos de recursos:

  • Recursos operados: são os recursos econômicos tradicionais, os quais sofrem uma operação para que sejam produzidos. Exemplo: terra, animais, vegetais, recursos naturais, etc. Tratam-se de recursos tangíveis e escassos, geralmente.
  • Recursos operantes: são aqueles que agem sobre os recursos operados ou mesmo sobre outros recursos operantes. Exemplo: tecnologia, habilidades e conhecimento.

A Lógica Dominante do Produto focava nos recursos operados, enquanto que a Lógica de Serviço foca nos recursos operantes.

Para Vargo e Lusch existem dois tipos de recursos: Operados e Operantes.

Mas como funciona essa lógica nas indústrias tradicionais que vendem produtos?

Na SDL pensamos na relação entre quem produz e quem consome, que vai muito além de uma simples troca de bens. Isso pode ser observado também em indústrias. Mesmo que se vendam peças, há toda uma relação sustentada pela necessidade de resolver um problema, de gerar uma solução. Por isso a perspectiva do cliente passa a ser tão relevante – por que ele dá insumos, ele demanda, ele tem um “job to be done”(uma tarefa a ser feita), uma dor a sanar e um ganho esperado.

Para exemplificar, trazemos uma experiência de um projeto que realizamos em 2017. Trata-se uma indústria de artefatos de borracha fornecedora da cadeia produtiva da linha branca. Os clientes dessa indústria compravam peças de borracha para realizar “tarefas” específicas, ou para obter ganhos e reduzir dores específicas.

O que os clientes compravam eram soluções em forma de peças de borracha, sejam soluções estéticas, de isolamento, ou de apoio ao processo produtivo, o que lhes interessava não era a peça em si, pouco importava as especificações técnicas da formulação da borracha, e, não havia dúvidas, se houvesse um plástico que performasse melhor nos “jobs to be done”, as peças de borracha seriam substituídas.

O valor não está na peça, está no uso que se faz dela, isso é a Lógica Dominante do Serviço.

Existem vários exemplos de aplicação em diferentes tipos de negócios. Se você quiser se aprofundar nessa pauta, saber os axiomas e premissas fundamentais do SDL, consulte o site do professor Stephen Vargo.

Veja também exemplos de produtos digitais, como o Spotify e outros nesse artigo em português.

E o que isso tem a ver com o Design de Serviço?

Na SDL consideramos que o valor é criado pelos clientes ao usar bens e serviços, o que significa dizer que o valor não é criado internamente na empresa, é uma mudança de perspectiva que ressignifica as relações comerciais, já que o cliente se torna protagonista.

Para isso, é muito importante entender o que é valor, e o Design de Serviço atende muito bem nessa empreitada. O Design de Serviço é uma abordagem que utiliza o design para projetar serviços, que são pensados a partir das necessidades das pessoas de maneira holística, considerando os diversos atores envolvidos para a entrega de valor.

Empatia, colaboração e experimentação são os pilares dessa abordagem que busca projetar serviços que sejam desejáveis pelas pessoas, tecnicamente possíveis e viáveis para a organização que os oferece.

Além disso, a SDL possibilita que o entendimento do que é serviço fique ainda mais amplo. A partir dessa abordagem, mesmo empresas que vendem produtos estão na verdade oferecendo serviços. Com essa nova visão, cresce o alcance de atuação do Design de Serviço.

A relação entre a Lógica Dominante do Serviço e o Design de Serviço.

No livro “This is service design doing”, lançado neste ano de 2018, há uma contribuição do brasileiro Mauricio Manhães, que discorre sobre a relação entre o Design de Serviço e a SDL, que ele classificou como um “perfect match”!

Leia aqui o que escrevemos sobre o Design de Serviço.

Temos poucos textos escritos em português sobre a SDL. Para irmos um pouco além do que já se publicou no Brasil, vamos fazer o link com uma outra abordagem bastante em alta por aqui: o Sucesso do Cliente, ou, mais comumente: Customer Success.

O que é Customer Success e qual a sua relação com a SDL

A definição do Lincoln Murphy é que “sucesso do cliente é quando os clientes atingem o resultado desejado por meio das interações com a sua empresa”.

Essa filosofia se difundiu a partir dos modelos de negócios de receitas recorrentes, com pagamentos por assinatura, em especial os softwares disponibilizados como serviço, conhecidos como SaaS (em que se paga um valor mensal para usar o software online). Nesse tipo de negócio, o relacionamento com o cliente não se encerra na compra, mas se inicia com ela — ou seja, vende-se serviço sempre, conforme a SDL postula.

Essa mentalidade objetiva construir uma lealdade atitudinal dos clientes, de maneira que eles fiquem mais tempo com a empresa, que comprem mais e que a indiquem – ou ainda, que advoguem por ela.

O Customer Success vem ganhando força tanto pelos resultados que gera quanto pela aplicabilidade em diferentes tipos de negócios, inclusive os considerados tradicionais. Isso porque, se você tem clientes, faz sentindo pensar no sucesso deles, no resultado que eles desejam obter ao interagir com a sua empresa, independentemente se o seu negócio é baseado em um SaaS ou se é de base tecnológica.

Ao vender algo, o resultado alcançado pelo cliente é muito importante, portanto é preciso ter clareza do que ele está tentando resolver quando se torna seu cliente. A lógica não é a de venda de bens, mas sim de serviços, de algo que serve (lembrando: não é uma questão só de fornecer, mas de servir!).

Por esses motivos, muitos defendem que o Customer Success é o futuro dos negócios, o que só faz sentido porque a base da troca econômica é o serviço.

Tanto a SDL como o Customer Sucess entendem que a base de troca entre organizações e clientes é o valor proposto e entregue (cocriado) por meio dos serviços.

No fim das contas, o que muda ao pensar que tudo é serviço?

Muda o mindset, muda a narrativa em torno do que é o seu negócio, mudam as relações que se constroem com clientes, muda a cultura da empresa, mudam os insights que podem gerar um resultado acima da média, muda a capacidade do seu negócio de aprender com o seu cliente o que de fato ele busca quando compra de você. Tudo isso aumenta a chance de sucesso do seu negócio.

É preciso projetar os serviços, colocar as pessoas no centro da estratégia dos negócios e se preocupar com o sucesso do cliente. Isso significa que:

  • A lógica dominante não é o produto, mas sim os serviços, o que denota que o foco é nas pessoas.
  • O raciocínio não parte mais de recursos, atributos ou benefícios, mas sim de soluções.
  • É importante pensar na proposição de valor, não somente em preço.
  • As empresas passam de reativas para proativas, antecipando ações e interações.
  • Não faz mais sentido pensar apenas em transação comercial, mas em ciclo de vida do cliente.
  • A venda não pontua mais o objetivo fim, por isso passa-se a focar nos resultados desejados.
  • Vender mais (ou upselling, como costumam dizer) pura e simplesmente, não se justifica mais, por que a expansão deve ser baseada em sucesso.
  • A experiência do cliente é parte fundamental do resultado desejado e da percepção de valor.
  • O valor de um serviço é cocriado com múltiplos atores, sempre incluindo o tomador do serviço.
  • O valor é sempre único e determinado pelo usuário.

Por fim, pensar que tudo é serviço é tornar as pessoas mais significativas no mundo dos negócios.

Claudia Grandi
Renata Hinnig (sínteses visuais)

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